PIRRO NEGRO NA BASTILHA BRANCA

Chego à Brasília, como sempre dia frio e seco como nos ensina a ser por aqui. Aliás, tudo ao contrário acontece neste lugar - às escondidas. Um mundo dilacerado e hipócrita se esconde por entre as quatro paredes, o teto e o piso que acobertam pecados, desejos e falcatruas na capital da república do Brasil. Nós também somos parte disso. Parte de uma nação que fala uma coisa, escreve outra e faz outra completamente diferente. Aprendi desde cedo que aos mais velhos não se diz nada contra suas palavras e gestos. Entretanto, surge um nó na garganta: onde estão os nossos velhos líderes negros? O que eles estão a fazer? Converso com uma, esta me diz que está cansada; Converso com outro, este me diz que vai cuidar de ganhar dinheiro e, mais adiante, mais outro e ouço que estamos vivendo a revolução que tanto sonhávamos. Temo não me deixar embriagar pelo mais repentino e superficial desejo de me sentir realizado com a limitada política republicana, institucionalizadora de totalidades. Evito me contagiar pela mais tenra ideologia do "animai-vos povo bahiense". Um canto enjaulado numa turma falida que compra "negros" barato e não os vendem porque depois, estes, nada valem. Alguém já teria dito que a vitória da esquerda brasileira é a vitória dos descendentes de europeus emigrados que deram certo. Sim, porque a eles não foi dada, no passado recente, a possibilidade de conhecer espaços de acesso á aos direitos da cidadania e a riqueza nacional. Agora eles venceram. Agora com os nossos mais velhos no poder, tenho a sensação de que nada podemos fazer. Temos que ficar calados, pois se eles morrerem, nós morreremos juntos. Pois é, a vitória da esquerda europeia plasmada de uma nacionalidade nagô é a vitória também dos pretos que deram certo. Uma negrada que pensa jacobinamente que são os melhores e desprezam outras tantas negradas que julgam serem os piores e repetem como Pirro a eterna subida da montanha. Tem cheiro de preto e preta bacana, bem educados e inteligentes pairando na República e se resfestelando no túmulo de Stalin. Tive minha experiência no parlamento nacional e cumpri minha sina de realizar o irrealizável: negociar. Que é o que se faz no parlamento - um tráfico de interesses em grande escala. Era criticado por isso. Aqueles que diziam não negociar, apenas encobrem-se hoje de um manto de piedade e pureza num teatro de velhos mamulengos que apenas cumprem sua missão ética apassivadora. Sinto uma amarga dissonância entre o que sempre ouvi de uma parcela dos meus mais velhos e mais experientes (o que não é a mesma coisa) e aquilo que fazem num espaço limitado e contraditório hoje. Não teríamos que ter outra pauta e agenda estratégica para além do governo? No entanto, o que vejo do que fazem na máquina pública: disputas, ódios, e muita mediocridade. Sempre achei que deveríamos ter uma reserva moral e ideológica para não nos assustarmos com as benesses arbitrárias do poder. Aqueles que pensavam estar fazendo de sua vida á mais cara opção ideológica apenas estão reforçando estereótipos e simbologias numa gestão pública limitada pela própria natureza limitadora de perspectivas emancipatórias. A turma negra que se auto referencia na atuação governista comete um erro de origem e concepção: não é lá que deve fazer sua arena e espaço de luta política. Quando os nossos mais velhos ocupam cadeiras institucionalizadas, podem estar nos dizendo que lá é o fim e isso nos manieta. Como a disputa por controle de grupos continua e os métodos são os mesmos, nada de novo surge na república e não nos dizem sobre o que será realizada a igualdade material para milhões de negros pobres no Brasil. Enquanto isso tem uma turma que grita mas não grita com todo mundo e tem uma turma que sorri e sorri pra todo mundo. Pirro, me lembre quando acabar novembro.

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