O PAC da Igualdade no Brasil


Por Sérgio São Bernardo*

O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou, neste mês de março de 2010, um debate que poderá ser considerado um divisor de águas para a hermenêutica jurídica brasileira: a constitucionalidade das ações afirmativas e se ela pode ser estendida a uma maioria negra e parda baseada em critérios de raça. Por isso, a adequação jurídico-institucional dos mecanismos de ações afirmativas e o alcance de graus razoáveis de justiça política materializada nos índices que mensuram a vida digna e equitativa entre os pertencentes de uma mesma nação têm motivado debates acalorados nos espaços públicos da nação brasileira.

Para além de uma mera dicotomia plebiscitária, o assunto tem ganhado merecida importância estratégica nacional. O debate das chamadas cotas raciais situa-se no centro temático do desenvolvimento nacional e se transforma naquilo que Milton Santos, Abdias do Nascimento e Otavio Ianni falavam há décadas: o racismo brasileiro é uma questão nacional e não só de responsabilidade dos negros brasileiros, ela o é de todos os brasileiros.

É verdade que não existe raça e que classificar pessoas racialmente não é a melhor medida para realizar igualdade material para milhões de homens e mulheres negras. Sendo uma invenção liberal, não tenderá, no futuro, pelos limites desta, a resolver os dilemas de uma sociedade emancipada. Entretanto, se modificarmos as denominações presentes nas políticas atuais (desracializando-a, semanticamente) e utilizarmos a categoria “pobreza”, “grupos vulneráveis” e vítimas de discriminações (cor, sexo, regionalidade, condição física, social e cultural) no lugar de raça, localizaremos os mesmos segmentos que os renomados organismos públicos e privados identificam como negros e pardos e que fazem parte da maioria da população brasileira.

É preciso desvendar os verdadeiros interesses que estão por trás dessas polêmicas nacionais. No que resulta o sucesso de tais medidas? Um incremento acelerado de inserção social de grupos expressivos da população brasileira no acesso às riquezas, políticas públicas e poder político. Um verdadeiro plano de aceleração da igualdade material. Por isso, esta contenda possui contornos ideológicos e econômicos, não apenas legislativos e políticos. Quem intenta contra as cotas é também quem perderá, no futuro, com as medidas contra-hegemônicas de privilégios de classe, plasmada em privilégios étnicos raciais, em nome da perpetuação histórica de um modelo de justiça, de Estado e de sociedade fundadas em matrizes gregas, medievais e liberais.

O pano de fundo da democracia plena e da realização da igualdade no dizer de Perelman é a visão de justiça e com ela a visão de Estado. Rawls, comunitarista liberal americano, veste-se da mesma linguagem para afirmar que a justiça pode ser realizada pelos estertores de um princípio artificial: a aplicação da equidade, simbolizada no respeito às diferenças. Ora, sabemos qual visão de justiça e de Estado do partido DEM e de seus aliados. Sabemos a visão de justiça de certa militância de esquerda - muitas delas fundadas numa mesma matriz racionalista, logocêntrica e negrofóbica. O pano de fundo no dizer de nossos maiores pensadores, Marcos Cardoso, Kabengele Munanga, José Jorge, Luiz Felipe de Alencastro, Sueli Carneiro é o sucesso das cotas ações afirmativas no Brasil desde a década de 30.

O mundo já nos visita e já temos como ensiná-lo a reproduzir em seus países um plano de aceleramento do crescimento pela igualdade das pessoas que se diferenciam pelos motivos que são discriminados. Já que, para agradar justamente quem a inventou, não devemos falar de raça.

*Sérgio São Bernardo é advogado, professor da Uneb e presidente do Instituto Pedra de Raio-Justiça Cidadã.

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