O Consumo da Cidade

Para Robson Dias



Conversando com um amigo, chegamos à conclusão que Salvador é uma cidade linda e boa de viver. Contudo, ela não é para nós e nem para a maioria da população que nela vive. Dialogávamos sobre quem consumia a cidade e quais os resultados das medidas de intervenção urbana que estão sendo pensadas para a capital da Bahia. Cerca de um bilhão de reais é a previsão orçamentária para esta reforma urbana. Coisas muito boas estão sendo arquitetadas, todavia, coisas sorrateiras e maléficas também. O que pensam os moradores de Salvador?


No passado, a fortaleza, o mercado e o porto foram sínteses urbanas que marcaram a face da cidade. Hoje, não gozamos de uma boa imagem. Somos péssimos empreendedores e mal governados. A disposição e usos dos espaços de consumo são utilizados como arremedo para a estratificação social. A iniciativa privada pensa bem, mas, não chama a população, o poder público chama apenas uma parte que interessa a ela e pensa mal.


O que acaba por definir o consumo da cidade são: a crescente verticalização, a engorda de terrenos, a privatização de ruas e a ausência de equipamentos urbanos (sanitários, fraldários, restaurantes populares, ciclovias, parques, etc.) que possibilitem a permanência da população fora de suas casas por um tempo significativo. Acrescente-se a isso, a constatação de que uma grande parcela desta população anda a pé, nos impondo uma necessidade de intervenção mais global, participativa e estratégica sobre o futuro da cidade.


Salvador está voltando a ser uma cidade fortaleza. Desta vez embebida de uma forte tensão mixofóbica agravada pelos índices de violência social e sofisticação desordenada de equipamentos urbanos. A ostentação de uma segurança privada, prédios guarnecidos, carros monitorados e o combate duro à criminalidade resultam num modelo ostensivo e defensivo da segurança e de uma perversa redistribuição do uso dos espaços públicos e privados.


Tudo isto, nos leva a perceber a idéia de uma cidade reedificada, que esconde seus escombros e que se comunica por grandes anéis e avenidas. Esta é a Salvador do Futuro. O uso comercial da Baía ligando-a a mais uma saída para a mobilidade urbana é necessária, mas tem que ser acompanhada de uma grande intervenção participativa nos bairros e camadas populares. Os rios estão encobertos, as encostas são inseguras, o lixo não é devidamente coletado e as chuvas sempre vêm depois do carnaval.


Quem ganha com o consumo de Salvador? O uso da cidade está ficando restrito e cada dia vale mais. O dinheiro do mistério baiano não fica aqui e os nossos ídolos, passam as férias aqui, e moram em outro lugar. O PAC e a COPA já nascem com o passivo histórico de uma cidade desejada. O que temos além de barradões, praias e shows de axé?


Precisamos de uma refundação da Cidade, alcançarmos o mais alto grau da produção econômica da cultura, do lazer e dos negócios e reinventarmos as bases solidárias de uma cidade plural e dividida. O debate sobre o consumo da cidade é o inicio do debate sobre sua refundação.


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