SOBRE COTAS


  1. SOBRE A BASE LIBERAL DAS AÇÕES AFIRMATIVAS

São as novas constituições liberais que sustentam as ações afirmativas, fundadas no principio da justiça distributiva. O reconhecimento do racismo e da discriminação e a respectiva política pública para combater as desigualdades estariam vinculadas ao debate da igualdade material versus igualdade formal. A idéia de uma discriminação jurídica positiva que possibilite o combate as desigualdades decorre da correção de uma anomalia por um mecanismo "nivelador" do sistema, típica das teses individualistas do liberalismo. Não é uma política de igualdade. È uma política de afirmação da diferença entre iguais, o que preserva uma natureza inferiorizante. Por isso, não somos defensores das ações afirmativas como política permanente de Estado, mas como política transitória.

  1. SOBRE A SECULAR EXISTÊNCIA DAS AÇÕES AFIRMATIVAS NO BRASIL

A Lei de Cotas no Brasil não é uma discussão nova. Em dezembro de 1930, no governo de Getulio Vargas, foi decretada a lei de nacionalização do trabalho que obrigava as empresas de empregar pelo menos dois terços de brasileiros entre os seus funcionários. Isso aconteceu 34 anos antes do Presidente Lindon Johnson cunhar o termo ação afirmativa nos Estados Unidos da América. Esta política de ação afirmativa teve como seu destinatário uma grande gama de descendentes de africanos escravizados que lutava para a sua inserção no mercado de trabalho. A Lei de Dois Terços ou Lei da Nacionalização do Trabalho resultou num incremento da empregabilidade da população negra. Engraçado é que ninguém cunhou esta política de ação afirmativa (talvez porque beneficiava parte da população imigrante que, naturalizada, poderia usar das prerrogativas daquela proteção legal).

Podemos ainda afirmar que o sistema de ação afirmativa do Brasil é pioneiro no mundo. Essa conclusão deve-se a uma interpretação de quem foram os beneficiários históricos das políticas de Estado, viabilizando a construção de espaços de cidadania e empreendimentos. Sem sombra de dúvida que os emigrantes europeus foram ungidos com a beneplácita instituição de leis e políticas de governo – verdadeira política nacional de cotas para os não-negros e não-indígenas – O Decreto 528 de 1890 da Imigração Européia apostava na povoação européia como simulação de uma nova nação sustentada nos valores europeus. Desse modo, os alemães, portugueses, italianos, de Nova Friburgo, Joinville, São Paulo, Florianópolis etc., apenas para citar alguns, foram beneficiados com isenções fiscais, inventivos, empréstimos, leis de proteção ao trabalho e um conjunto de privilégios socioculturais. Esta era a medida de uma ação afirmativa que construía uma identidade e negava uma outra.

  1. SOBRE A TESE DE QUE IMITAMOS OS EUA

O país pioneiro em ações afirmativas no mundo não são os Estados Unidos da América. A Índia adotou em sua constituição em 1948, após a independência em 1947, um sistema baseado em cotas como forma de superar a desigualdade milenar do seu sistema de castas. Os chamados "intocáveis" (Dalits) tinham direito a 22,5% das vagas da administração pública e do ensino público. Este mecanismo, elegeu um "intocável", o presidente Narayanan em 1997. A OIT nos informa que mais de 30 países, entre eles, Malásia, Canadá, Austrália, África do Sul, Colômbia e diversos países europeus implementaram políticas de ações afirmativas antes do Brasil.

  1. SOBRE A TESE DE QUE A RACIALIZAÇÃO DA POLÍTICAS PÚBLICAS FARÁ CRESCER O RACISMO E DE QUE FERE A UNIDADE NACIONAL: O racismo brasileiro é calcado nos mecanismos do racismo estrutural e do racismo institucional. As barreiras invisíveis dos mecanismos discriminatórios racistas se fazem refletir nos resultados e muito pouco nas ações. Por isso o agente que pratica o racismo passa a ter um valor reduzido em função da estrutura que produz, estimula e reproduz o racismo. A discriminação indireta, se apresenta como um fenômeno imparcial, velado, invisível, "com aparência legítima, mas que produzem um resultado ilícito". Já o racismo institucional manifesta-se por meio da exclusão em razão de sua cor, cultura ou origem racial. Ela se reveste sempre através de gestos, atos, atitudes, estereótipos e comportamentos discriminatórios resultantes do preconceito, que acabam por forçar os negros a ocupar espaços e papéis de inferioridade. Esse mecanismo poderoso de estratificação e exclusão se realiza por uma engrenagem institucional com fortes apelos simbólicos que, na maioria das vezes, tornam-se difíceis de serem localizados em seus aspectos originários. Ninguém no Brasil é repudiado por reivindicar sua ascendência européia. Os movimentos negros o fazem e são criticados de estarem racializando a sociedade brasileira.

  1. SOBRE A CONFUSA ASSOCIAÇÃO ENTRE AÇÕES PREVENTIVAS, REPARATÓRIAS E COMPENSATÓRIAS E O VICIO DE SE REDUZIR AS AÇÕES AFIRMATIVAS À POLÍTICAS DE COTAS: È preciso distinguir as políticas de caráter preventivos, reparatório, compensatório ou de ação afirmativa. 1. A primeira caracteriza-se em um número de políticas prioritariamente públicas que visam combater as causas da discriminação; 2. as ações compensatórias consistem no conjunto de políticas que visam diminuir a disparidade entre aquele que não teve acesso ou não gozou das mesmas condições de acesso a determinada posição ou condição social (emprego, educação, moradia, saúde, etc) e a população tida como incluída. Esta medida deve igualar as condições de acesso, a exemplo da política de cotas na universidade; 3. As ações reparatórias consistem em um conjunto de políticas que visam indenizar um dano causado. Desse modo, as ações afirmativas poder conter tais ações/medidas, mas estas ações necessariamente devem ser chamadas de ações afirmativas. Nesse caso, importa lembrar que as cotas é das medidas de discriminação positiva, chamada de medida compensatória e que normalmente quando é aplicada engloba um programa mais amplo de ação afirmativa. Atualmente os detratores das cotas utilizam essa denominação para se referir genericamente às ações afirmativas quase sempre de forma negativa.

Sérgio São Bernardo

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