O PROBLEMA DO CONSUMO DE ALIMENTOS POR CRIANÇAS: PUBLICIDADE ABUSIVA E LESÃO AO DIREITO À SEGURANÇA E SAÚDE

Por Gabriele Vieira

Bacharel em Direito e Coordenadora Jurídica do IPR - Justiça Cidadã.

A prática da venda casada por estabelecimentos como Mc’Donalds e Bob’s, que provocou um movimento protagonizado pelas Instituições de proteção e defesa dos consumidores, levando-as a entrarem com representações endereçadas ao Ministério Público, não é mais o foco da discussão. Haja vista que Termos de Ajuste de Conduta (TAC) já foram impostos pelo órgão competente para regular a situação da prática abusiva. Observe que estes TAC’s traduziam principalmente a preocupação com a saúde e segurança do consumidor infantil. Agora o que buscamos é aprofundar a relação estabelecida entre estes estabelecimentos, acompanhados de sua estrutura empresarial de marketing de vendas, e o seu público alvo, ou seja, as crianças.

Contraditoriamente ao paradigma do Brasil Fome Zero (Programa do Governo Federal), dados divulgados pelo Instituto Alana – Projeto Criança e Consumo - e pelo Idec da última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) revelam que o excesso de peso de meninos e meninas entre 10 e 19 anos já ultrapassa 15% da população [1].

Considerando este diagnóstico, não deve ser em vão a motivação da Política Nacional das Relações de Consumo descrita no artigo 4º do CDC que prega o respeito à saúde e segurança do consumidor, tendo em vista que, tratando-se dos consumidores infantis, o consumo de alimentos sem os parâmetros dos índices adequados nutricionais implica em gastos com a Saúde Pública e na lesão de direitos basilares de acesso à saúde.

Não há como negar a acessibilidade que as crianças têm ante ao bombardeio de publicidades apelativas para o consumo dos alimentos postos à venda. São os brinquedos da moda, do filme do lançamento, e similares que estão sempre associados à idéia do alimento. O que fazer, então, para assegurar a proteção pela segurança e saúde destes consumidores infantis?

Conceitua o CDC como publicidade abusiva aquela que faz uso da deficiência de julgamento e experiência da criança para induzir o consumidor de modo a se comportar de forma prejudicial a sua saúde e segurança. O Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto da Criança e do Adolescente tutelam a segurança e saúde do consumidor infantil. O sentido desta tutela reside na finalidade da concepção destas leis, qual seja a proteção do hipossufuciente, dito de outro modo, aquele que se encontra em situação de desvantagem por sua natureza essencial de consumidor e de criança/adolescente.

Deverá, então, o Direito partir do pressuposto da realidade posta e concreta: estas informações chegam até o seu destinatário/consumidores, as crianças, de diversas formas, televisão, internet, outdoor, etc. Logo, não se trata de travar aqui as bases para aplicar a censura impedindo que estas informações cheguem até as crianças (muito embora, já exista projeto de lei em trâmite que veda a participação de crianças em publicidades), mas sim, de delimitar os parâmetros da capacidade civil que este público possui frente as limitações de entendimento sobre as informações necessárias ao alimento posto à venda. Então fica a pergunta: que capacidade tem uma criança de verificar as condições necessárias para o consumo dos alimentos que ingerem?

A divulgação das informações sobre o teor nutricional dos alimentos relacionados à faixa etária do consumidor é dever do fornecedor, e como contrapartida, direito do consumidor exigir. Quando o consumidor não exige, o fornecedor é responsabilizado pelos danos decorrentes da sua prática de venda e publicidade abusiva, bem como, desproporcional. A necessidade de regulamentação da publicidade dos alimentos para o público infantil surge, justamente, porque as crianças não têm o necessário discernimento, visto que são pessoas com a capacidade civil limitada (absolutamente ou relativamente) para exigir as devidas informações nutricionais, e ainda, se assim agissem não conseguiriam compreendê-las.

De acordo com o Código Civil (artigo 1.142), um estabelecimento é “todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária”. E mais, ele pode ser objeto de direitos e negócios jurídicos, desde que compatíveis com a sua natureza (artigo 1.143). Sendo assim, neste contexto, um estabelecimento comercial de natureza alimentícia (bares, restaurantes, lanchonetes) , ou seja, cujo produto final lançado no mercado são refeições, lanches, bebidas e congêneres não se demonstra compatível a venda de brinquedos no mesmo local, sob a mesma razão jurídica para fins de registro.

Com esta interpretação do Código Civil e das leis protetivas ao consumidor, a criança e ao adolescente, concluimos pela aplicabilidade da restrição do objeto posto à venda no estabelecimento comercial ao fim a que se destina: lanchonetes venderão lanches, lojas de brinquedos venderão brinquedos.

Isto contribuirá para que em casos de danos causados pelo estabelecimento, por exemplo, ele seja responsabilizado pelo produto a que sua natureza comercial estipula, mesmo sabendo que há a responsabilidade solidária entre os fornecedores (artigo 18 do CDC). Contribuirá também para inibir as condutas publicitárias apelativas que os estabelecimentos empresariais praticam através de seus departamentos de marketing dirigidas ao público infantil e, por fim, os gastos com a Saúde Pública para tratamentos dos sintomas de obesidade, má alimentação, seriam reduzidos sensivelmente, proporcionando uma vida mais saudável compatível com a idade dos consumidores mirins.

[1] Marcos Pó, assessor técnico do Idec

Comentários

  1. Gabriele,
    primeiro quero lhe parabenizar pelo artigo.
    Este é um assunto muito interessante, pois nos tras, também, uma discussão sobre a função dos adultos na vida da criança. Quando você pergunta: " Que capacidade tem uma criança de verificar as condições necessárias para o consumo dos alimentos que ingerem?" - eu respondo pouquissima. Os critérios de escolha de uma criança passam pela subjetividade, por isso os adultos responsáveis deveriam interferir diretamente nesse tipo de escolha. Lhe pergunto: um adulto responsável por uma criança que se omite de avaliar o que deve ser consumido por ela é protegido pelo CDC?
    Não quero, de forma alguma, reduzir a responsabilidade das propagandas, mas será que vamos responsabilizar apenas o consumismo, quando pessoas que têm condição de discernir sobre o que é saudável ou não, deixam de fazê-lo por comodidade ou outro motivo?
    Me parece que crianças continuam existindo, mas lhes faltam adultos de verdade.
    Sucesso!
    Lígia

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