NEGROS MORREM PORQUE BRILHAM DEMAIS

Na semana de morte do ídolo pop, assisti o filme sobre a vida e obra de Wilson Simonal. O aniversário de sua morte - 25 de junho - coincidiu tristemente com a morte de Michel Jackson e fez-me lembrar do aniversario de nascimento de João Cândido - 24 de junho. Um resgate necessário sobre as dúvidas em relação ao seu talento e sua vida pessoal. Simonal não era informante do DOPS, nem delator de colegas artistas. Era sim um bólido no mundo artístico que, como disse Mário Prata, acusado injustamente, não foi anistiado nem pela esquerda nem pela direita. Simonal recebeu uma espécie de anistia pelo governo Collor em 1991, 17 anos depois de ter sido acusado de envolvimento com órgãos de inteligência e de repressão.

Michael Jackson também morreu condenado e ridicularizado por muitos. Uma trajetória de brilho e queda. Sucesso de mídia, palco e venda – conseguiu chegar a extraordinária cifra de 750 milhões de discos vendidos – insuperável. Sua vida tornou-se símbolo de desejo, renúncia e podridão. Foi acusado de pedofilia em 1993. Doze anos depois foi inocentado. Outros tantos admitiram que pudesse ser tudo verdade e a sua miséria veio rápida. Morreu com a pecha de que poderia ter feito tudo diferente.

O Almirante Negro, João Cândido, líder da Revolta da Chibata em 1910, foi internado em um hospital psiquiátrico como louco. Sua anistia só lhe foi concedida 97 anos após sua morte. Isso tudo após uma intensa luta para que os direitos pudessem ser reparados. O projeto de lei de autoria da Senadora Marina Silva é de 2002 e foi sancionado pelo Presidente Lula em 2008. Os anistiados da ditadura militar e seus familiares já recebem suas indenizações. Já os familiares de João não puderam receber tal recurso. O artigo que o garantia foi vetado.

Todos eles ícones em suas áreas e também pretos. Elaboraram textos e mensagens sobre sua condição de negros num período que muitos líderes ficaram calados. Michael reclamou em julho de 2002 contra as gravadoras que exploravam afro-americanos nos Estados Unidos, Simonal ensinou para o filho através da música Tributo a Martin Lhuter King: “cada negro que for, mais um negro virá - Para lutar com sangue ou não - Com uma canção também se luta irmão”, João Cândido manifestou-se junto a outros amotinados "Nós, marinheiros, cidadãos brasileiros e republicanos, não podemos mais suportar a escravidão na Marinha brasileira".

Não gosto dos textos que os tratam como coitados. São apenas símbolos paradoxais de seu tempo. Os três não se livraram da condição de serem olhados, desejados e repelidos como negros. Apesar de eles terem pensado em algum modo de não ser negros. Muitos choram arrependidos a covardia de nada terem feito quando deveriam fazê-lo. A inveja mórbida da alegria exorbitante do negro paira em nós como um simulacro de um mundo que condena o destino do outro pela cor de sua pele e origem. Mataram João, mataram Simonal, mataram Michael e o estigma continua com os nossos deuses e deusas morrendo para serem reconhecidos depois do tempo.

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