A BAHIA PÓS-DURBAN

Elementos para pensar um modelo de desenvolvimento e igualdade para a Bahia

A Bahia desponta como um dos estados da Federação que possui altos índices de desigualdade, pobreza e racismo. Nas últimas décadas, nosso estado experimentou um modelo de desenvolvimento fundado numa concepção modernizadora com forte componente conservador e concentrador de renda. O retrato atual é um estado repartido e fragmentado, decorrente da lógica monocultural instituidora de identidades plasmadas em verdades e mitos que fomentam o desenvolvimento econômico desigual e injusto. Este texto visa refletir sobre a possibilidade de um desenvolvimento multicultural, atrelado à necessária tendência de construir arranjos estatais e privados que ponham em diapasão os desideratos do desenvolvimento e da igualdade. Posto que não há igualdade sem preservação de diversidades e identidade.
A história da Bahia, como no restante da Federação, reduziu-se a uma eterna promessa de Estado republicano e democrático que parece nunca ter chegado ao cotidiano da maioria da população. Por muito tempo, foi marcada por práticas de governos assistencialistas e relações opressivas em escala local. Ocorre que, na circunstância atual, as teses universitárias, os programas de governos, e as políticas internas das empresas privadas pautam a globalização e a pós-modernidade como centro das relações travadas entre ente público, empresas, e indivíduos. Eis que surge um novo modelo de desenvolvimento que deverá pautar as contradições étnico-culturais e as relações discriminatórias como dilemas que barram o crescimento da economia. O tratamento estratégico da questão étnico-racial, em conjunto com a participação política, a inclusão social e a democratização da riqueza, arma uma poderosa estratégia para o desenvolvimento do Estado.
Mangabeira Unguer, Ministro de Estado, desestimula o contraste entre orientação de mercado e direção governamental, e propõe organizar o pluralismo econômico, político e social, descentralizando a economia de mercado e superando velhos antagonismos. Para ele, setores emergentes, principalmente do nordeste brasileiro, podem protagonizar o ideário da justiça social e do crescimento com distribuição de renda.
Milton Santos (2001) e Mariategui (1928), em tempos e lugares distintos, já nos alertavam para a globalização homogeneizada do capitalismo tardio que molda rostos encarnecidos da umedecida negrura em sorrisos brancos e de olhos azuis republicanizados para todos. As diversas civilizações que compõem o cenário da desigualdade baiana precisam alcançar produtos razoáveis de convivência impondo a necessidade de não se confundir diferenças culturais e civilizatórias com arremedos institucionais de inferioridades e subalternidades.
Todos, seja o poder público ou privado, acabam pagando muito mais caro pela manutenção da ordem social sob as bases das desigualdades. Pois, os gastos com saneamento básico, educação, habitação, são, por exemplo, eixos básicos de políticas públicas que se ocupam em igualar os índices dos diferentes grupos sociais e raciais - pobres e negros ou ricos e brancos. Enquanto isso, experiências de gestão, tais como o “empreendedorismo social” tem demonstrado certo interesse com a responsabilidade social e a instituição da diversidade como garantidor de igualdades.
No Estado da Bahia, foram identificados pelo atual governo 26 territórios de identidade, que podemos entender como uma classificação geopolítica estratégica. Esta faz parte de um modelo de gestão pública que prega a diversidade e entende que só é possível haver integração regional quando aspectos individuais e culturais de um povo são levados em consideração na implementação das políticas públicas de desenvolvimento local. A recente criação do Núcleo de Desenvolvimento dos Territórios, denominado desafiadoramente de Milton Santos pelo governo do estado, pode se constituir numa esfera pública eficiente para pensar o futuro da Bahia.
A função igualitarista do Estado vem orientando as políticas públicas de igualdade racial e seguridade social, em nome de valores republicanos e democráticos, herdados do liberalismo e da social democracia que, agrupados sob um socialismo real reinventado, buscam um paradoxal atendimento universal e afirmativo de direitos. O que teria sido a agonia da tradição liberal, hoje, incentiva uma esquerda que revisita aspectos pragmáticos de uma inacabada utopia socialista.
Na correnteza destas ações com foco na responsabilidade social, temos o PAC, um programa do Governo Federal com recursos estimados de 24,7 bilhões de reais até 2010 - após 2010, 27,7 bilhões para o programa de desenvolvimento da Bahia. Este programa investe somente em logística 8 bilhões de reais (em acesso a energia elétrica/transporte de massa/sistema de esgotamento sanitário/despoluição da baia de todos os santos/aumento da oferta de água); em energética 13 bilhões (usinas/gasodutos/petróleo/refino) e mais 6 milhões em políticas social e urbana.
Os gastos com orçamento público devem também ter no seu escopo, como política transversal, a inclusão social e a preservação da diversidade cultural e étnica de uma população, pois não há como se pensar em desenvolvimento econômico de um Estado sem um resultado exitoso com altos índices na qualidade de vida dos beneficiários diretos dos projetos e programas.
A questão é como a maioria dos grupos vulneráveis participarão deste quinhão? Qual a contrapartida das empresas envolvidas na promoção social das populações localizadas nas regiões onde serão desenvolvidas tais obras?
Pois bem, é neste cenário, na busca de um modelo de desenvolvimento sustentável, por exemplo, que surgem projetos e iniciativas como a lei do Estatuto da Igualdade Racial do Estado da Bahia, de autoria do Deputado Walmir Assunção, um programa legislativo global com vistas a conformar uma política pública de longo alcance a uma parte excluída do bem público. Neste, são enfrentadas as questões dos conflitos que envolvem os povos e comunidades tradicionais, pela busca de seus direitos à moradia, saúde, educação, religiosidade, acesso à justiça, etc.
A polemizada Conferencia de Durban, realizada na África do Sul em setembro de 2001, e a sua revisão ocorrida no Brasil em 2008, para debater as diversas formas de racismo, xenofobia e intolerâncias correlatas, trouxeram proposições e medidas para se combater o racismo. O Brasil bem que poderia dar um exemplo ao mundo, através da Bahia, priorizando a implementação de suas resoluções.
Amartya Sen, vencedor do prêmio Nobel da Economia em 1998, sentencia: “O desenvolvimento consiste na eliminação de privações de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua condição de agente” (Sen, 2000: 10) - trazendo elementos que nos levam a refletir sobre o princípio da eqüidade – fissurando o Estado em sua trajetória esgotada em universalismos liberalizantes e esquerdizantes. Tratar os desiguais na medida das suas desigualdades para alcançar a igualdade material almejada. Assim, as ações afirmativas, a economia solidária, o micro crédito e a agricultura familiar firmam seus pilares e fornecem alguns dos ingredientes para a fórmula do desenvolvimento sustentável.
Não obstante a isso, os objetivos das metas de desenvolvimento do milênio (erradicar a extrema pobreza e a fome, atingir o ensino básico fundamental, promover a igualdade entre os sexos e autonomia entre as mulheres, reduzir a mortalidade infantil, melhorar a saúde materna, combater o HIV/AIDS, a malária e outras doenças, garantir a sustentabilidade ambiental, e por fim, estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento) demonstram serem grandes os desafios ante o cenário que percorre a contramão do desenvolvimento e do senso de igualdade social e racial.
A alternativa de convivência com a diversidade e os altos índices de desigualdade parecem ainda mais urgentes no Estado da Bahia. A programação do orçamento público deve também ter no seu escopo a transversalidade da inclusão racial e de gênero junto á preservação da diversidade. A velha e nova questão racial precisa ser pautada sob o signo do desenvolvimento e da diversidade como sintoma da verdadeira igualdade. Parece que uma direção socializante e multicultural precisa sobreviver como esboço de múltiplas existências contraditórias neste continente chamado Bahia.

Isso só terá um sentido estruturante se aliarmos a luta contra a cultura científica do racismo com o debate do modelo de Estado e desenvolvimento que defina a estrutura de poder orçamentário envolto numa rede que beneficia a todos e a todas em todas as áreas da atividade humana. A democratização do dinheiro, aliada à luta igualitária são elementos poderosos para promover o desenvolvimento com igualdade.

Sérgio São Bernardo, Advogado, Mestre em Direito Público-UNB, Professor de Direito-UNEB, Presidente do Instituto Pedra de Raio e Coordenador Estadual do Programa Bolsa Família-Sedes.

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