Estatuto da Igualdade da Bahia - Parecer Preliminar Jurídico


Assunto: Considerações iniciais pela aprovação do Projeto de Lei Estadual nº 14.692/2005 do Estatuto Estadual de Promoção da Igualdade Racial e Combate à Intolerância Religiosa.

Inicialmente, cumpre ressaltar o que motivou a elaboração deste parecer técnico jurídico pelo Instituto Pedra de Raio. A motivação adveio tanto do atual cenário imposto pelo trâmite burocrático legal para a aprovação do Projeto de Lei Estadual nº 14.692/2005, aqui nos referimos à indicação nº 20.052/2013, quanto pela conjuntura institucional e política de manifestas intervenções públicas do Movimento Social Negro baiano. 

Este referido Projeto de Lei que trata do Estatuto Estadual de Promoção da Igualdade Racial e Combate à Intolerância Religiosa é de autoria do Deputado Estadual da Bahia, à época (2005), Valmir Assunção. Ele foi construído com a colaboração efetiva do Movimento Social Negro, direta ou indiretamente, e reflete as demandas da população negra baiana por políticas públicas compensatórias e reparatórias em diversas searas da vida social. 

As razões e argumentos inicias deste parecer seguem fundamentados nos parágrafos abaixo indicados:
1º) Considerando que, a indicação de nº 20.052/2013, encaminhada pelo Deputado Estadual Bira Corôa com apoio da SEPROMI (Secretaria de Promoção da Igualdade Racial) para que o Governador do Estado da Bahia institua o Estatuto Estadual de Promoção da Igualdade Racial e Combate à Intolerância Religiosa tem sua justificativa elaborada com fragilidades no que tange a caracterização do fenômeno do racismo no Estado da Bahia. Estas fragilidades são perceptíveis quando da contextualização do acontecimento da III Conferência Estadual de Promoção da Igualdade Racial e do seu papel institucional, pois as suas Resoluções precisam ser consideradas como parâmetro de ineficácia sobre a produção legislativa estadual e sobre a implementação de políticas públicas de promoção da igualdade;

2º) Considerando que, o texto da indicação nº 20.052/2013 menciona “óbices de natureza constitucional” como um fator que inviabilizou o Projeto de Lei ser aprovado durante os sete anos em que ficou na Casa Legislativa, faz-se necessário rediscutir estes óbices numa audiência pública, enumerando-os taxativamente, pois é possível que pelo decurso do tempo estes óbices já não sejam mais impeditivos da aprovação do referido Projeto de Lei, tendo em vista que, muito dos artigos escritos à época já não se aplicam mais a realidade atual, seja pela criação de órgãos Executivos como a SEPROMI em 2006, seja pela publicação de Portarias Estaduais e Federais. Como, por exemplo, no âmbito das normatizações do Poder Executivo. Já temos vigente dispositivos de Lei Ordinária Nacional (vide Estatuto Nacional), a Portaria nº 922/2009 do Ministério da Saúde que institui a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, e a Portaria nº 002/2013 da SESAB que regulamenta a prestação de assistência religiosa nas unidades da Rede Própria da SESAB e afirma que é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

3º) Considerando que, o referido Projeto de Lei deve adequar-se no aspecto temporal às inúmeras Legislações Estaduais e Federais que criam e regulamentam políticas públicas que favorecem a população negra. A título de exemplo, citaremos aqui sobre os direitos dos povos e comunidades tradicionais no âmbito nacional, os Decretos Lei nº 4.887/2003 e 6.040/2007, que regulamentam o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, e institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, respectivamente. Já, no âmbito Estadual, o Decreto nº 13.247/2011 que institui a Comissão Estadual para Sustentabilidade dos Povos e Comunidades Tradicionais (CESPCT), e o Decreto Estadual nº 11.850/2009 que definem as comunidades remanescentes de quilombos. E no âmbito internacional, a Convenção 169 da OIT ratificada pelo Brasil que trata dos povos indígenas e tribais e garante a autoidentificação como critério fundamental para definição dos grupos a qual a Convenção acolhe. Neste sentido, o artigo 46 do referido Projeto de Lei sugere repetição de legislações já vigentes (Constituição Estadual da Bahia). E o artigo 50 do referido Projeto de Lei, além de sugerir um desacordo com a legislação vigente (Instrução nº 57/2009 do INCRA) também sugere um “desacordo” com as aspirações previstas em resoluções públicas dos movimentos sociais;

4º) Considerando que, além da adequação às Legislações Estaduais, Federais e Internacional incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro no que se refere à vigência destes instrumentos legais, é necessário uma adequação que diz respeito a construção argumentativa do tipo subjetivo e objetivo do crime de racismo - prevista em legislação internacional da qual o Brasil é signatário - haja vista, as lacunas existentes na esfera judicante procedimental observada pelos operadores do direito na fase de instrução dos processos. Verifica-se uma baixa resolutividade de crimes de racismo em face da frágil tipificação do que se entende por suas manifestações subjetiva e objetiva. Com isto queremos dizer que, por exemplo, a atual lei que criminaliza o racismo e a injúria racial (Lei nº 7.719/89, e o artigo 140 § 3º do Código Penal) não atinge o elemento subjetivo do delito, apenas atem-se aos critérios objetivos do fato jurídico;

5º) Considerando que, o debate sobre a construção do PPA para o período de 2012/2015, e da LOA, LDO para o ano de 2014/2015 é estratégico e urgente para pautar as políticas públicas mais urgentes à população negra. Faz-se necessário uma adequação sistemática e cirúrgica do referido Projeto de Lei atendendo às demandas históricas e atuais do Movimento Social Negro. Uma extensa e densa carga reivindicatória tem saído desses acontecimentos regionais e, devem orientar e alimentar qualquer documento que tencione convergir a diversidade étnico racial baiana. Em reuniões de construções com os 27 territórios de Identidade da Bahia foram definidos os três eixos estruturantes do PPA Participativo, são eles: 

Eixo 1 – Inclusão Social e Afirmação de Direitos (políticas sociais e afirmação de direitos) com os núcleos de Educação, Educação, Saúde, Inclusão social, Infraestrutura social, Igualdade de Direitos Humanos da igualdade racial; 
Eixo 2 – Desenvolvimento sustentável e infraestrutura para o desenvolvimento (ações para garantir expansão e empreendimentos das atividades sociais para geração de riquezas de forma sustentável) com os núcleos de cadeias e redes produtivas (indústria, comércio, serviços e mineração), Agropecuária, Meio Ambiente, Ciência, Tecnologia e Inovação, Turismo, Cultura;
Eixo 3 – Gestão democrática do Estado (busca a transparência, a participação e o diálogo social e implantação de gestão por resultado) com os núcleos de Planejamento e gestão governamental, gestão de serviços do Estado, Gestão financeira, Gestão de pessoas, Participação e controle social. 

Todas estas demandas dos eixos acima citados, atualmente estão localizadas/sintetizadas principalmente nos seguintes pontos que são considerados como estruturantes para a SEPROMI, conforme informa o página oficial na internet: 1. desenvolvimento sustentável das comunidades quilombolas; 2. políticas intersetoriais e afirmativas; 3. promoção e defesa de direitos; 4. fortalecimento do controle social de políticas públicas. No entanto, ainda assim, é necessário um olhar mais apurado sobre a inclusão destes eixos do PPA Participativo ao Projeto de Lei do Estatuto Estadual;

6º) Considerando que, com a existência da SEPROMI como órgão do Poder Executivo Estadual que tem o papel de fomentar políticas públicas para a população negra, é possível que algumas pautas inseridas no referido Projeto de Lei seja esvaziada ou tome outros caminhos estratégicos, pelas suas articulações políticas institucionais, como por exemplo: i) a proposição do Projeto de Lei nº 19.965/2012 que dispõe sobre a regularização fundiária de terras públicas estaduais, rurais e devolutas, ocupadas tradicionalmente por Comunidades Remanescentes de Quilombos e por Fundos ou Fechos de Pastos; ii) o Projeto de Lei que irá estabelecer cotas no serviço público da Bahia, esta matéria, reserva 30% das vagas oferecidas em concursos públicos para negros, foi apresentada inicialmente pelo Deputado Estadual Joseildo Ramos (PT), e aperfeiçoada pelo Governo do Estado deve ser enviada à Assembleia Legislativa ainda esse ano; iii) as Políticas Públicas de fomento ao Empreendedorismo Negro; iv) o Decreto Estadual que cria a o Centro de Referência da Rede de Combate ao Racismo e a Intolerância Religiosa. Alerta-se para o fato de que a valorização destes projetos da forma desarticulada ou superposta com Expressões do Movimento Social Negro pode levar para caminhos estratégicos distintos no que se refere á aprovação urgente do Projeto de Lei do Estatuto Estadual.

7º) Considerando que, será necessário em sede das Disposições Transitórias do Projeto de Lei do Estatuto Estadual, observar a inclusão de artigos que provenham das iniciativas, sejam elas privadas o públicas, relativas aos grandes eventos, como a Copa do Mundo e as obras estruturantes (Estaleiro Paraguassu, Porto Ilhéus, Ferrovia Oeste Leste, Ponte Itaparica, etc), juntamente com o seu legado e o as contrapartidas. Nestes artigos das Disposições Transitórias suas normas devem ser em prol do beneficiamento das pessoas e dos territórios marcadamente habitados por populações étnicas raciais em situação de vulnerabilidade.

8º) Considerando que, hoje existe um contexto político institucional onde discute-se a regulamentação do Estatuto Nacional da Igualdade Racial aprovado em 2010, e em sendo assim cria-se um contexto favorável de articulação do movimento social negro para incluir este debate no aperfeiçoamento do Projeto de Lei do Estatuto Estadual;

9º) Considerando que, com a publicação do Decreto Federal que divulga a III Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CONAPIR), cujo tema é com o tema “Democracia e Desenvolvimento por um Brasil Afirmativo”, os preparativos para as Conferências Municipal e Estadual já constituem-se como ambiente positivo e frutífero para o debate e articulações visando o aprimoramento do Projeto de Lei do Estatuto Estadual. 

10º) Considerando que, a necessidade de manter o diálogo com vias a possibilidade de incluir a criação de um Fundo de Promoção de Políticas de Igualdade Racial é um tema importante e urgente para o movimento social negro, tendo em vista que, naquilo que não fira ou que não promova um desequilíbrio financeiro institucional na definição das fontes de custeio para o Fundo. Lembre-se que não existem óbices à sua criação, mas, tão somente às fontes sugeridas como mantenedoras de suas ações. A solução do texto nacional foi no sentido de aprovar um capítulo que prevê o Financiamento das Iniciativas de Promoção de Igualdade Social, algo menos poderoso, mas nada igual a nada como proposto no texto que tramita na Assembleia Legislativa. Sugere-se observar inclusive a possibilidade de remanejamento ou vinculação a outros Fundos já existentes no Estado da Bahia, vide o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza (Funcep);

11º) Considerando que, a elaboração e a aprovação de uma lei global como o Estatuto que alcance várias áreas da atividade humana tem sido praticada pelas modernas sociedades. Um Estatuto Estadual vem cumprir esta garantia, fundamentada nos princípios da igualdade e da equidade plena e substancial. Propõe-se que o Estado deve amparar direitos e oportunidades àqueles que historicamente e socialmente tenham sido vítimas, por ocasião da colonização e da escravidão, de práticas preconceituosas, discriminatórias e racistas e, consequentemente, excluídos do processo produtivo, da inserção social e do exercício dos direitos mais amplos da cidadania. O Estatuto deve expressar esta ação afirmativa compensatória global, sustentada no princípio positivo da equidade legal, qual seja, “tratar desigualmente os desiguais”;

12º) Considerando que, existem lacunas e desorganização textual substanciais no texto do referido Projeto de Lei encaminhado e que deve ser alimentada por novas demandas e novas resoluções, a elaboração técnica do texto do Estatuto Estadual deverá contemplar assuntos, temas e demandas que respondam ao novo cenário baiano das iniquidades raciais e da realidade política. Os Títulos, Capítulos, Seções disposições devem permear de modo transversal e multidisciplinar os seguintes temas e assuntos listados:

a. Preâmbulo (natureza, finalidade e base legal constitucional);
b. Desenvolvimento Econômico e Social;
c. Emprego e Renda;
d. Turismo;
e. Educação;
f. Saúde;
g. Povos e Comunidades Tradicionais;
h. Liberdade Religiosa;
i. Mulher Negra;
j. Juventude Negra; 
l. Turismo; 
m. Cultura, Arte, Esporte e Lazer;
n. Meios de Comunicação;
o. Direitos Humanos e Segurança Pública;
p. Sistema de Ações Afirmativas;
q. Acesso á Justiça e Ouvidorias; 
r. Fundo de financiamento das políticas de promoção da igualdade racial;
s. Participação Política e Democracia;
t. Racismo Institucional; 
u. Disposições Finais e Transitórias;
v. Justificativa do projeto.

Por todos estes motivos e razões aqui argumentados de forma concisa que o Instituto Pedra de Raio propõe que sejam observadas as considerações pela aprovação do Projeto de Lei Estadual do Estatuto Estadual de Promoção da Igualdade Racial e Combate à Intolerância Religiosa. Lembrando que trata-se de um documento inacabado e que pode ser alterado/ajustado para um documento definitivo e orientador dos debates e posições que o movimento social negro venha assumir coletivamente em nosso Estado. 

Salvador, 22 de abril de 2013.

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